->Sibelle com ''s''
Quando pequena, achava que não era nome de criança. Queria me chamar Letícia ou Gabriela..ou Letícia Gabriela. Não consegui convencer meus pais. Não fazia sentido mudar o nome de uma criança já crescidinha. Aquilo me dava desespero. Não me conformava com a falta de opção. Se eu não gostasse da roupa, trocava. Como não pode trocar o nome? E ainda por cima, ele não desbota como a roupa. Tem que usar para sempre, sem experimentar, sem ver se combina.Aff!! Não me parecia muito justo.Hoje carrego meu nome em pelo menos sete pedaços de plástico que fazem peso em minha carteira. Dos importantes - como o RG, o CPF e o cartão de crédito - aos menos imprescindíveis: carteirinhas de locadora de vídeo, cartões-fidelidade de farmácia...Passei anos ouvindo meu nome todos os dias de manhã cedo durante a chamada no colégio. Ainda com sono, escrevia a alcunha no cabeçalho das provas e, `a tarde, das lições de casa. Com seis anos, aprendi a escrevê-lo inteiro. Aos nove errei assinando a carteira de identidade. Hoje, ainda com medo de errar, assino qualquer coisa que seja com as mesmas letras. Letras que preciso soletrar a cada novo encontro para que não errem mais uma vez. E sempre erram. Eu mesma erro, já me acostumei. Um nome impossível de ser escrito "de ouvido" dá mais trabalho. Por que fui cair com um nome difícil de escrever? Por que eu não me chamo Maria da Silva? Se minha personalidade fosse mais simples, o nome também seria?Meu nome anda na boca dos que não o trocam por um apelido: amigos menos íntimos, pessoas próximas quando estão bravas comigo... Das poucas ocasiões em que foi dito com a cautela de quem vai dar uma notícia ruim, ou de quem espera ansioso por uma resposta, me lembro bem.Talvez já tenha sido apagado da agenda de telefones daquela amiga antiga ... No peito do ex-namorado arrependido deve ter sido coberto por algum desenho maior ou substituído por outro nome. Em cimentos frescos e muros que risquei quando era moleca, ainda está por baixo da tinta branca, ou quem sabe, misturado com outros nomes agora.Me lembro também de quando a ausência do nome doeu: na lista dos aprovados pela universidade pública, no testamento da minha avó milionária. Ah, essa última é mentira. Ela me incluiu no testamento. Mentira de novo, não tem avó milionária.Meu nome foi escrito pela primeira vez na certidão de nascimento e será pela última em alguma lápide. Ou será que já existia antes, na cabeça de alguém que sonhava com um nome sem dono? Por onde será que meu nome vai ficar por mais tempo? Talvez ele vire nome de rua ou alameda depois que eu morrer se descobrirem que na verdade inventei alguma coisa muito importante para a humanidade, escondida dentro do meu quarto. Talvez não.Não me lembro da primeira vez que ouvi meu nome. Também não me lembro da última. Mas me lembro de várias entre as duas: o mesmo som, que por convenção foi associado a mim, proferido por uma gama interminável de tons e intenções. O nome que dá nome a mim é o mesmo que ainda hoje soletro em silêncio quando estou sozinha. Sussurro como verso, como prosa, `as vezes como música. De vez em quando ele aparece como um mantra que ecoa sozinho. E continuo repetindo, mil vezes ao longo da vida, só para ver se um dia consigo finalmente me acostumar com ele. E comigo.